27/09/2007

life is not easy _ Ana Sofia

Quando tu apareceste eu estava esquecida,

dos perdidos e achados da vida.

Mas sentia-me bem com a cabeça arrumada

não sentia falta de nada.

Avisei-te à partida que ao haver algo entre nós

era melhor ter cuidado.

Queria viver o presente...

Queria esquecer o passado.

Refrão:

Portanto não me acuses da dor

que dizes sentir agora.

Deixa-me só no meu canto, a Vida segue lá fora!

Quando tu apareceste eu estava a sair

dos perdidos e achados da dor

E sentia-me bem com o corpo a descansar

dos Altos e Baixos do Amor.

Avisei-te à partida que um caso entre nós

era sempre perigoso

o meu passado recente,

tinha sido doloroso...

Refrão.

Mùsica de Lúcia Moniz, Magnólia.


18/09/2007




Nada me prende a nadaNada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.


Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...


Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.


Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.


Outra vez te revejo,
Cidade da minha infãncia pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...


Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?


Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.


Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelomaldito de ter que viver...


Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...


Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...
F.Pessoa
ha mto tempo que ando para fazer uma experiencia destas. Literalmente para me obrigar a partilhar o que descubro por ai, para vos deixar impressões do que sinto, enfim é realmente uma tela em branco que espero que nao se manche demasiado e onde se possam pintar ideias, sonhos e segredos.

Um grande beijo a todos...

17/09/2007

Em 1966, em Angola, um antílope ficou preso no lodo; e os guardas da reserva disseram que ele não conseguiria voltar a libertar-se do abraço da terra flutuante o peso atraiçoado do seu corpo. Eu ainda não sabia que existiam histórias assim, com baleias, com cavalos, com homens, comecei então a reconhecê-las e a remetê-las para aquele fim de tarde à beira da picada, exactamente no dia em que aprendi a assobiar.
Lembro-me de termos estado a fazer-lhe festinhas no focinho, ele deitara-se sobre o flanco esquerdo, silencioso e imóvel, olhava em frente, esperava. Até fizemos fotografias para guardar nos álbuns, as crianças e aquele bicho pesado, aquele bicho perdido, tão terrivelmente triste. Só depois é que reparámos nas lágrimas, grossas. O antílope quieto que ia morrer estava a chorar.


Furtado, José Afonso, Correia, Clara Pinto (s.d.), Canções das crianças mortas, Editora: Relógio D’Água.