21/02/2008

Direitos para crescer saudável



Todas as crianças com mais de cinco anos têm direitoa desabafar.

Todas as crianças até aos onze ou doze anos têm direito a andar grátis no Carrocel quando estão de férias.

Todas as crianças que andam na escola têm o direito a serem alegres, terem amigos e a brincarem com os outros. Têm o direito a ter uma Professora que não grite com elas.

Todas as crianças têm direito a ver o mar verdadeiro, especialmente em dia de maré vazia.

Todas as crianças têm direito a, pelo menos uma vez na vida, escolher o chocolate que lhes apeteça.

Todas as crianças têm direito a pensar e a sentir como lhes manda o coração, até serem velhas, aí com uns vinte anos.

Todas as crianças têm direito a terem em casa o Pai e a Mãe, os irmãos ( se houver ) e comida. Se o Pai e a Mãe não conseguirem viver juntos têm direito a que cada um deles respeite o outro.

Todas as crianças têm direito a deitarem-se no chão para ver as nuvens passar, imaginando formas de todos os bichos do Mundo combinadas com as coisas que quiserem ( por exemplo, um cão a andar de patins ou uma girafa de orelhas compridas ).

Todas as crianças têm direito a começarem uma colecção não interessa de quê.

Todas as crianças têm direito a chupar o dedo indicador que espetaram num bolo acabado de fazer ou então lamber a colher com que raparam a taça em que ele foi feito.

Todas as crianças têm direito a tentarem manter-se acordadas até tarde numa noite de Verão, na esperança de verem uma estrela cadente e pedirem três desejos ( a justiça devia fazer acontecer sempre pelo menos um ).

Todas as crianças têm direito a comer a fatia do meio das torradasde pão partidas em três.

Todas as crianças têm direito a escrever ou a falar em linguagens inventadas por elas ( ou que julgam inventadas por elas ), como por exemplo a «linguagem dos pês»: «apa linpingupuapagempem dopos pêpês».

Todas as crianças têm direito a imaginar o que vão querer fazer quando forem grandes ( habitualmente coisas extravagantes ) e a perguntarem aos adultos « o que queres ser quando fores pequenino?».

Todas as crianças têm direito a dormir numa cama só sua, sentindo o cheiro da roupa lavada, e a terem um espaço próprio na casa, pelo menos a partir do ano de idade.

Todas as crianças têm direito a passear na rua tentando pisar apenas o empedardo branco ( ou só o preto ); em opção, têm direito a fazer uma viagem contando apenas quantos carros vermelhos passam na faixa contrária.

Todas as crianças meninos têm direito a, pelo menos uma vez na vida, perguntar a uma menina « queres ser minha namorada?» e todas as crianças meninas têm direito a, pelo menos uma vez na vida, responder «sim, quero».

Todas as crianças têm direito a ouvir um adulto contar pelo menos uma destas histórias: Peter Pan, O Principezinho, O Princípe Feliz.

Todas as crianças têm direito a ter alegria suficiente para imaginar coisas boas antes de dormirem e depois, a sonharem com elas.

Todas as crianças têm direito a ter um boneco de peluche preferido, especialmente quando velho, já lavado e mesmo com um olho a menos.

Todas as crianças ( especialmente já adolescentes ) têm direito a usar os ténis preferidos, mesmo que rotos e com cheiro tóxico.

Todas as crianças têm direito a jogar aos polícias e aos ladrões, preferindo inevitavelmente serem ladrões.

Todas as crianças têm direito a ter um colo onde se possam sentar, enroscar como uma concha e receber mimos.

Todas as crianças têm direito a nascer iguais em direitos.

Todas as crianças têm direito a conhecer o sítio onde nasceram e a visitá-lo livremente.

Todas as crinaças têm direito a não ficar sozinhas a chorar.

Todas as crianças têm direito a viver num País que tenha um Ministério da Infância, que verdadeiramente pelo seu crescimento afectivo e bem-estar interior ( sem preconceitos adultocêntricos ou hipocrisias com ares de cromo abrilhantado ).

Todas as crianças têm direito a acreditar que têm direito um adulto que olha por elas e as ama sem condição prévia ( nem que seja Nosso Senhor ).

Todas as crianças têm direito a viver felizes e a ter paz nos seus pensamentos e sentimentos.



STRECHT, Pedro( 2002), Crescer Vazio, Lisboa: Assírio e Alvim.

Fotografia: VAlter Ribeiro.





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